sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Ações ecológicas individuais propõem pequenas mudanças

POR FLÁVIA MANTOVANI & MARCOS DÁVILA

da Folha de S. Paulo

Se a Terra fosse compreendida como um organismo vivo e os seres que nela habitam representassem suas células, o homem poderia ser visto como uma espécie de câncer. Basta imaginar que, somente no Brasil, são produzidas 230 mil toneladas de lixo por dia –o equivalente a duas filas de caminhões de lixo de cinco toneladas, ocupando o espaço de dez pontes Rio-Niterói.

Mas, ainda dentro dessa perspectiva, alguns indivíduos fariam muito bem o papel de anticorpo. Muitas vezes tachadas de “ecochatas” ou “biodesagradáveis”, são pessoas que realizam ações corretas em doses homeopáticas, produzindo lá adiante transformações na sociedade inteira.

Plantar árvores em lugares públicos, priorizar o uso de transportes coletivos e de bicicleta, evitar consumir produtos supérfluos ou ecologicamente incorretos e separar o lixo para a reciclagem são alguns desses atos isolados de defesa da natureza –que estão cada vez menos ligados ao romantismo e mais à sustentabilidade.

O secretário do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, Eduardo Jorge, 55, chama essas atitudes de “revoluções pessoais”. Ele dispensou o uso do carro oficial para ir trabalhar todos os dias de bicicleta. “Detesto ser chamado de ecologicamente correto. Sou um rebelde”, diz ele, que afirma ter trocado a visão leninista que tinha aos 18 anos pelas pequenas transformações individuais.

“Devemos ser a mudança que queremos para o mundo, como dizia Gandhi. A postura do homem diante do lixo é mais importante do que mudar o governo. É a forma como ele se relaciona com a produção e o consumo de bens”, afirma o secretário, que instalou duas caixas de papelão na sala de casa para colocar o lixo reciclável. “Minha mulher dizia: na sala não, é feio. E eu dizia: é lindo”. As caixas acabaram na cozinha.

No fim do ano passado, o músico paulistano Marcelo Dworecki, 24, saiu do apartamento da mãe e foi morar com a namorada e um amigo numa casa. A primeira coisa que fez foi realizar um sonho antigo: instalar sua própria composteira (um lugar para transformar lixo orgânico em adubo) no quintal. Ele mistura os restos de alimentos, como cascas de frutas e legumes, com folhas secas em uma área reservada no jardim. O composto precisa ser remexido com um enxada todos os dias para evitar o mau cheiro.

Dworecki doa parte de seu lixo reciclável para uma cooperativa de catadores perto de sua casa. Os “lixos mais legais” (como latas e caixas de papelão em bom estado) ele leva para uma escola de música que realiza oficinas de construção de instrumentos com sucatas. Dessa forma, não sobra quase nada para o lixeiro. O administrador Rodrigo Gomes Ferreira, 24, morador de Florianópolis (SC), tem carro, mas, na maioria das vezes, deixa-o na garagem. “Procuro privilegiar a bicicleta como meio de transporte. Minha segunda alternativa é o ônibus. Uso o carro mais no fim de semana, quando vou a algum lugar mais longe.”

Ferreira diz que fala sobre suas atitudes, mas não gosta de ser “missionário”. “O que faz diferença é o próprio exemplo. A militância quase nunca funciona. Quem não está muito a fim acaba não mudando por birra”, afirma. Seu exemplo já deu frutos. Quando ele era adolescente, criou o hábito de separar o lixo para reciclagem. Seu pai, que era síndico do prédio, levou a prática para o edifício todo.

Outro bom exemplo é a geógrafa Julia Ribeiro, 25. Na vila onde mora com o marido, no Rio de Janeiro, havia um canteiro meio abandonado, em uma área comum a todos os moradores. Ela resolveu fazer uma horta no local e plantou manjericão, hortelã, boldo, alface e cebolinha. Vendo a iniciativa, alguns vizinhos se animaram e começaram a cultivar também.

Para a geógrafa, o exemplo é a melhor forma de convencer as outras pessoas: “Eu simplesmente faço a minha parte. Não adianta encher o saco de ninguém, uma hora a ficha cai”.

Já a química Rita Cavalcanti, 23, não consegue ficar quieta quando vê uma atitude antiecológica. “A gente não corrige só por corrigir, mas para criar consciência. No futuro pode faltar recursos para o meu neto.” Ela conseguiu convencer seu noivo a apagar as luzes quando sai de um cômodo e a reaproveitar papéis.

Em casa, Rita e sua família adotaram várias atitudes responsáveis. A água que sai da máquina de lavar é armazenada em baldes e reaproveitada para lavar o chão do quintal. Os cartuchos de tinta para a impressora são recarregáveis. O papel usado é aproveitado para rascunho. Além disso, eles usam apenas pilhas recarregáveis. “Isso evita ter que comprar sempre e gerar mais pilhas para os lixões”, diz.

O diretor de educação ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Marcos Sorrentino, acredita que existam dois tipos de impacto ambiental derivados dessas iniciativas pessoais. “Um deles são mudanças no clima, no número de árvores das cidades e nos aterros sanitários que parecem pequenas, já que as transformações mais significativas vêm por meio de políticas públicas. O segundo, e mais importante, é cultivar uma postura de cuidado com a vida, que visa a construção de novos modelos de sociedade”, afirma.

O biólogo Rogério Parentoni, doutor em ecologia e professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, também acredita na força desse tipo de ação: “Se muitas pessoas adotarem essas mudanças de hábito, darão uma boa contribuição para que os recursos sejam preservados para as gerações que virão”.

De acordo com Parentoni, há um efeito multiplicador associado às ações individuais. “Outras pessoas observam e acabam reproduzindo esse tipo de atitude”, diz. Para ajudar na mudança de hábitos, o biólogo defende a educação ambiental em escolas. “Crianças são ótimos exemplos para os mais velhos. Os adultos ficam envergonhados se elas têm uma atitude ecologicamente correta e eles não.”

Estudante se acostumou a ser chamada de “ecochata”

A estudante de geografia da Universidade de São Paulo Gabriela Prol Otero, 23, já perdeu a conta de quantas vezes foi chamada de “ecochata”. “Sou extremamente rotulada. Quando um professor alfineta os ecologistas, o pessoal da sala cochicha: ‘A ‘ecochata’ não vai falar nada?’”

Entre as atitudes que adota no dia-a-dia, Gabriela toma banho rápido, fecha a torneira enquanto escova os dentes e não usa copos descartáveis. “Nem pensar. Levo uma garrafa plástica comigo e, no meu trabalho, cada um tem sua caneca para tomar café.” No prédio onde mora, ela dispensa o elevador e usa a escada para descer e subir quatro andares. Apesar de ser chamada de chata, a estudante conseguiu convencer várias pessoas a agir de forma parecida. Mas já teve também brigas com a mãe, que costuma usar filmes plásticos para embalar alimentos e lavar o chão com mangueira. “Faço questão de limpar eu mesma usando balde para economizar água”, diz.

Autor do livro “Meio Ambiente: Sua História – Como Defender a Natureza sem Ser um Ecochato” (ed. Insular), o escritor e jornalista Paulo Ramos Derengoski, 60, acredita que o termo “ecochato” esteja mudando de significado.

“Quando comecei a escrever sobre o ambiente, há mais de 20 anos, o ‘ecochato’ era um radical de direita da ecologia, um cidadão que não tinha uma visão dialética”, afirma.

Segundo ele, essas ações pessoais de patrulha ecológica são importantes. “Dessa forma, ser chamado de ‘ecochato’ é um elogio. Daqui a pouco eles serão considerados ‘ecolegais’. Acredito que a ecologia represente um novo idealismo para a juventude”, diz. Em seu livro, Derengoski usa uma linguagem simples -no lugar do que ele chama de “ecologuês”- para defender políticas ecológicas sustentáveis. E rentáveis: “Tudo que não tiver valor econômico no futuro está condenado ao fracasso. É preciso juntar valor econômico a defesa do ambiente.”

Consumo consciente começa na compra do produto

Quando vai a um supermercado, a estudante de geografia Gabriela Otero toma algumas precauções para fazer as compras. No seu carrinho, não entram alimentos transgênicos nem produtos embalados em bandejas de isopor. Folhas verdes, só se forem orgânicas ou hidropônicas. Tudo é carregado em sacolas plásticas que ela leva de casa. Ao lavar frutas e verduras, ela se preocupa em não gastar muita água. Ao se desfazer das embalagens, separa o lixo reciclável e envia para a coleta seletiva.

Gabriela pode ser considerada uma “consumidora consciente”, ou seja, uma pessoa que busca a harmonia entre a sua satisfação, a preservação do ambiente e o bem-estar social.

O maior representante desse movimento no Brasil é o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente (www.akatu.org.br). “Todos os dias fazemos escolhas ao comprar um produto ou serviço e ao decidir a forma de usá-lo e de descartá-lo. Temos responsabilidade até o fim. Para isso, precisamos de informação séria e fundamentada”, diz Maluh Barciotte, gerente de mobilização social do instituto.

Segundo Barciotte, o Akatu trabalha na linha de “pequenos gestos, grandes transformações”. “Buscamos mostrar para as pessoas que elas são protagonistas. Uma ação pequena feita durante muito tempo por alguém já tem um efeito fantástico. Quando é feita por muitas pessoas, o impacto é maior ainda”, diz. Além disso, trabalha-se com a idéia de que o consumidor consciente age conscientemente em vários setores de sua vida, interferindo, por exemplo, nas políticas públicas.

Em 2002, o instituto realizou uma pesquisa para detectar se o brasileiro consome com consciência. Foram ouvidas 1.200 pessoas com idades entre 18 e 74, moradoras de nove regiões metropolitanas e duas capitais do país.

Os entrevistados tinham que responder a freqüência com que adotam 13 comportamentos -evitar deixar lâmpadas acesas em ambientes desocupados, usar o verso de folhas de papel já utilizadas e separar o lixo para reciclagem, entre outros.

De acordo com as respostas, os entrevistados foram classificados em quatro grupos: 3% foram considerados individualistas (que adotam no máximo dois comportamentos), 54% iniciantes (de três a sete comportamentos), 37% comprometidos (de oito a dez) e 6% conscientes (de 11 a 13).

Barciotte diz que o número de consumidores conscientes vem crescendo e que há menos preconceito contra eles. No entanto, ela observa que ainda tem gente que acha que quem se preocupa com a questão ambiental é “ecochato” ou “nerd”. “Na verdade, são apenas pessoas que percebem que não há separação entre o homem e o ambiente e que preservar a natureza é melhor para todos, inclusive para elas.”

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/

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