quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O pré-sal no país do passado (o eco)

O pré-sal no país do passado PDF Imprimir E-mail
Bruno de Amorim Maciel*
11/09/2009, 00:00
O presidente anunciou na semana passada em Brasília: “O Brasil está com o passaporte para o futuro nas mãos”. Naquele momento, referia-se ao petróleo encontrado na camada do pré-sal. Nas entrelinhas, também buscava associar a imagem de um país bem-aventurado à de sua candidata. Afinal, o “Brasil é o país do futuro”. Mas será mesmo?

A esperança é uma característica cultural do povo brasileiro. A cultura passa por um processo evolutivo muito parecido com o das plantas e animais. Assim observou o biólogo Richard Dawkins, famoso por ser um defensor da teoria evolucionista. Dawkins introduziu o conceito de “meme”. Um “meme” é uma unidade de evolução cultural que pode se propagar, como uma boa idéia que tende a se multiplicar e a sobreviver ao tempo. São as canções e histórias que se disseminam de cérebro em cérebro, como a assustadora “boi da cara preta” que atravessou gerações ao lado dos berços infantis. Os “memes” podem até sofrer mutações eventualmente, como o “parabéns pra você”, cantada em várias línguas, mas sempre com a mesma melodia.

A expressão “O Brasil é o país do futuro” é um “meme”. É sedutora e fácil de memorizar, além de invocar aquele patriotismo típico de época de copa do mundo. Afinal, um país com tanto potencial, tantas riquezas naturais, só precisa de um pouco de tempo para prosperar. Convenhamos, é uma boa idéia. E um político hábil sabe muito bem como se aproveitar dela. Na minha juventude, adorava escutar que havia nascido num país rico e que o destino me guardava boa fortuna. Esse sentimento durou até o dia em que meu professor de geografia tocou no assunto e sugeriu uma surpreendente analogia entre as frases “O Brasil é o país do futuro” e aquela típica sentença de botequim pé sujo: “Fiado, só amanhã”. Como se parecem...

O futuro nunca chega porque o país tenta andar adiante, mas olha para trás. Acaba tropeçando nas reais oportunidades que surgem à sua frente. O mundo inteiro já sabe que o petróleo é o combustível do passado, por dois motivos. Primeiro, porque polui tanto que está tornando nosso planeta mais quente e menos viável para nossa sobrevivência. Segundo, porque tem data para acabar. As estimativas variam, mas diz-se que o petróleo vai durar cerca de 40 anos, dependendo da evolução do consumo e da descoberta de novas reservas.

Enquanto comemoramos nossas descobertas, o mundo busca alternativas tecnológicas mais responsáveis. Um país com tanto sol e vento seria um laboratório perfeito para o desenvolvimento de energia limpa. No entanto, o Brasil limita-se a investir em biocombustíveis, como se pudesse abastecer o mundo com cana-de-açúcar. Daqui algum tempo, quando o planeta estiver sedento por tecnologias não poluentes, nós faremos parte dos compradores, e não dos inovadores que se beneficiam da visão futurista.

Hoje, não há um exemplo de nação que tenha se tornado potência a partir da abundância de recursos naturais. No passado, talvez, mas, na história recente, são as idéias e invenções tecnológicas que fazem a diferença. A Venezuela, com todas as suas reservas de petróleo, é mais conhecida por sua linha de produção de “Miss Universo”. A fartura de minérios na América Latina não conseguiu arrancar o rótulo de terceiro mundo da região. Do outro lado da balança, uma revolução educacional mudou a Coréia do Sul em poucas décadas. O Japão, tão pobre em recursos naturais, tornou-se uma potência econômica e cultural. Até a Índia aproveitou a revolução tecnológica provocada pela computação e, agora, exporta em serviços o equivalente a três vezes as exportações brasileiras de soja e derivados. Isso tem contribuído para crescimentos da ordem de 8% ao ano, sem a necessidade de explorar à exaustão o recursos naturais, já escassos para aquela população, é verdade.

A propaganda da estatal do petróleo dá a impressão de que conquistamos o mundo. Realmente, cavucar um buraco de sete quilômetros debaixo do oceano e retirar petróleo não é para qualquer um. A possibilidade de participar de fóruns de decisão importantes como Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) traz perspectivas interessantes. Politicamente, é uma arma poderosa para um povo pretensioso como o nosso. Entretanto, a mentalidade está atrasada. Falar em independência numa época de globalização parece piada. Precisamos de gasolina para alimentar os carros produzidos com receita importada. Onde está a independência? Daqui a 50 anos estaremos lamentando a oportunidade perdida. Ou talvez não. Talvez ainda estejamos iludidos pela esperança de que o Brasil seja mesmo o país do futuro, ou de que poderemos esquecer a frustração com um gole de cachaça no boteco da esquina. Bom, se for fiado, teremos que voltar no dia seguinte.

* Bruno de Amorim Maciel, mestre em desenvolvimento sustentável, consultor e curioso sobre as coisas do dia-a-dia.

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