sábado, 21 de novembro de 2009

Representantes da indústria "retardam" tratado da ONU

09/11/2009 - 11h05

Representantes da indústria "retardam" tratado da ONU

Por Kate Wilson
Do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos

Os manifestantes encharcados pelas chuvas de outubro se reuniram recentemente do lado de fora do Centro de Conferência das Nações Unidas em Bancoc, gritando por megafones e criticando os países pelos fracos compromissos exibidos na negociação de um tratado para coibir os gases do efeito estufa. No interior, a atmosfera era mais de negócios: profissionais reunidos nos cafés bares , sorrindo para rostos familiares e apertando mãos em reconhecimento. Posteriormente, eles se encontrariam atrás de portas fechadas, em um conclave dominado por representantes das maiores empresas de energia do mundo.

Bem vindo ao mundo das “Bingos” –a sigla em inglês para as organizações não-governamentais da indústria e negócios– que há muito exercem um papel na condução do debate global a respeito da mudança climática. Os grupos da indústria estão atuando segundo as regras da ONU que excluem corporações individuais de participarem das reuniões a respeito da mudança climática, exigindo que as empresas formem associações para representá-las. As negociações em Bancoc foram uma das várias sessões de preparação para as negociações formais, que começarão em 7 de dezembro em Copenhague, visando produzir um novo tratado global limitando as emissões de carbono.

Kyoto sempre foi considerada apenas um primeiro passo, com a necessidade de novas negociações em uma segunda fase de compromissos a partir de 2012. Mas essas negociações para um novo acordo sobre o aquecimento global em Copenhague adquiriram grande significado, devido à esperança de uma nova liderança dos Estados Unidos e de melhores ideias para se superar a lacuna entre ricos e pobres no mundo. "Copenhague não é apenas negociação, é um evento político que terá um grande impacto na consciência global sobre a situação da mudança climática", diz Rafe Pomerance, presidente da organização americana Clean Air-Cool Planet e um ex-negociador sobre o clima como vice-secretário assistente de Estado do governo Clinton. Leia mais
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Aqui no centro de conferência, várias dezenas de executivos das Bingos se reuniam para informar uns aos outros a respeito de assuntos com muitos interesses em jogo, como as metas globais para redução de emissões, o número de compensações de carbono e prazos para implantação. Mas apesar da agenda das Bingos para as mudanças climáticas parecer clara, a estratégia delas é mais difícil de discernir. E os resultados de seus esforços frequentemente são intangíveis. Em outras palavras, não se trata de um lobby como normalmente entendido. “O que nós fazemos aqui é retardar”, disse John Scowcroft da União da Indústria Elétrica Europeia. “É uma protelação intencional.”

Pense globalmente, faça lobby local

Em Bancoc, as sessões de informação foram lideradas por um lobista de barba grisalha, de óculos, chamado Nick Campbell, um químico e lobista da empresa química francesa Arkema, que também representa milhares de empresas da Câmara de Comércio Internacional. Campbell participa das reuniões da ONU para o clima desde 1991, mas ele diz que reserva seu lobby de fato para a esfera nacional e regional, incluindo a União Europeia em Bruxelas. “Como uma Bingo, você tem muito pouco impacto nesses encontros”, ele explica. “A única forma de realmente ter alguma força é se convencer uma delegação em casa de que é do interesse dela que suas instruções digam isso ou aquilo.”

Em vez disso, Campbell vai às negociações sobre o clima para fazer contatos –apertar mãos, reforçar laços, beber café, trocar cartões de visita. Ele sabe que os contatos que faz servirão aos seus esforços de lobby em outros lugares. Assim como outros representantes de Bingos, ele espera que seus atuais esforços resultarão em alguma influência sobre qualquer tratado acertado em Copenhague.

Os executivos dos setores intensivos em carbono já negaram que suas emissões contribuíam para a mudança climática e alguns lutaram por anos contra um acordo global para coibir as emissões. Mas à medida que o consenso científico se fortalecia e governos e a opinião pública mudavam de posição, as empresas começaram a mudar sua abordagem. Após a aprovação do Protocolo de Kyoto de 1997, o primeiro tratado do mundo limitando as emissões de carbono, grupos da indústria começaram a aceitar o crescente corpo de evidências a respeito do aquecimento e a se esforçar para que sua voz fosse ouvida. “Não restam muitas empresas que ainda fazem lobby abertamente contra a regulamentação”, diz Irja Vormedal, uma pesquisadora da Universidade de Oslo, que estuda a influência da indústria nas negociações climáticas. “Esse navio já partiu. Agora elas estão tentando se preparar para esta nova transição. Elas dizem: ‘Se fizermos isso, nós teremos uma cadeira à mesa e poderemos influenciar a regulamentação’.”

Uma nova estratégia: vá devagar

No coração da atual estratégia do Grande Carbono, dizem os representantes da indústria, está o reconhecimento de que o controle das emissões é necessário. Apesar de reconhecer a necessidade de reduzir o carbono, os representantes da indústria estão triunfando junto aos governos nacionais e delegações na ONU para uso de uma linguagem que retarde a implantação do acordo resultante. Muitas associações de empresas intensivas em carbono –entre elas companhias elétricas, de carvão e petróleo– buscam metas de redução de emissões de longo prazo em vez de metas de curto prazo. Elas querem que os governos forneçam, gratuitamente, distribuição abundante das permissões que precisam para descarregar o carbono segundo o tratado. E querem o máximo possível de liberdade para “compensar” as emissões em vez de reduzi-las, por meio de investimentos em projetos de menor custo em países em desenvolvimento, como reflorestamento.

Elas também estão pressionando para que a ONU inclua, como uma dessas compensações aprovadas, quaisquer investimentos que fizerem em tecnologias ainda nascentes, como a captura e armazenamento de carbono –um processo controverso no qual as emissões de carbono (em grande parte das usinas elétricas a carvão) seriam capturadas e armazenadas no subsolo. E elas fazem lobby para que todas essas concessões sejam obrigatórias a todos, dadas as desvantagens que elas dizem que enfrentarão enquanto o tratado para o clima continuar funcionando como no passado –com países em desenvolvimento como a China e a Índia sob nenhuma obrigação de limitar suas emissões.

Quando se trata de mudança climática, o lobby internacional dos negócios não é monolítico. Uma nova voz da indústria surgiu nos últimos anos, na forma das associações das indústrias eólica e solar, e de empresas financeiras ávidas em lucrar com os mercados emergentes de carbono. A agenda delas difere muito daquela das empresas tradicionais de energia. “As empresas de energia renovável e os investidores financeiros repentinamente passaram a pressionar mais”, diz Vormedal. “Elas reuniram uma plataforma de grupos de interesse fazendo lobby por mais regulamentação, defendendo metas mais duras para os países desenvolvidos.”

Mas algumas vozes da nova indústria dizem que são ofuscadas pela rede veterana de representantes da indústria pesada, com mais de 20 anos de acúmulo de cartões de visita e com seus rostos conhecidos por funcionários de governo de todo o mundo. De fato, com mais pessoas e laços mais profundos, os membros das indústrias intensivas em carbono em grande parte dominaram o lobby internacional das empresas nas reuniões matinais em Bancoc.

Um velho representante da indústria é Brian Flannery, um guru do clima para a gigante de energia ExxonMobil e, juntamente com Campbell, um representante da Câmara de Comércio Internacional. Os ambientalistas há muito consideram Flannery como um dos piores negadores da mudança climática. A ExxonMobil foi de fato uma das últimas grandes empresas a aceitar, de forma contrariada e pelo menos publicamente, a ciência por trás da mudança climática. Mas a posição de Flannery é, na verdade, mais cheia de nuances do que os grupos ativistas frequentemente relatam; ele reconheceu já em 1991 que as emissões de carbono induzidas pelo homem contribuíam para a mudança climática, compensando sua aceitação dizendo que não havia informação suficiente para determinar quão significativo era o papel humano. “Até o momento, observações diretas não podem distinguir possíveis mudanças induzidas pelos seres humanos de um fundo de grandes flutuações climáticas naturais pouco entendidas”, ele escreveu em 1991. Flannery também foi coautor de relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas –um processo no qual os cientistas tentam chegar a um consenso sobre a ciência da mudança climática e então submeter os resultados aos governos patrocinadores.

O argumento de Flannery atualmente permanece praticamente o mesmo, assim como seu pessimismo a respeito das perspectivas de um acordo global. “A única forma de chegar a esses níveis baixos é o mundo todo agir em conjunto, com metas comuns e um preço comum para o carbono”, ele agora diz, argumentando que essa abordagem é irrealista. “Nós não conseguiremos que todos tenham a mesma meta, o mesmo preço para o carbono... Isso não levanta as questões fundamentais, sobre se o processo de negociação deve aspirar metas inatingíveis e trabalhar em uma área de confronto e desalento, ou tentar trabalhar visando metas viáveis.”

Remi Gruet, da Associação Europeia de Energia Eólica –que apoia metas mais ambiciosas– diz que a posição de Flannery é uma abordagem corporativa previsível de retardamento. “As indústrias habituais representadas pelas BINGOs são as de gás, petróleo e química”, diz Gruet. “Desde o início, todos aqueles que não querem que suas emissões sejam reduzidas ingressam neste processo para tentar freá-lo.” Logo, diz Gruet, o setor de energia alternativa tem procurado aliados em outras partes, como o crescente número de empresas pressionando por um mercado internacional de carbono –uma bolsa global que negocie projetos de tecnologia renovável e redução de carbono como o reflorestamento. “Elas são as únicas com as quais temos realmente um interesse comum”, diz Gruet. “Elas estão interessadas em ter um maior mercado de carbono, um preço estável para o carbono. Então temos um ponto em comum.”

Entre as prioridades das indústrias da velha guarda está assegurar mais tempo para redução das emissões. “A questão é de tempo”, diz John Novak, do Instituto de Pesquisa da Energia Elétrica, com sede nos Estados Unidos, que argumenta que os reguladores não podem “forçar uma redução mais rápida do que a tecnologia pode sustentar”. Um país não pode substituir o uso pesado de carvão pelo gás natural mais limpo se os recursos de gás natural são limitados, ele diz.

A União da Indústria Elétrica Européia (Eurelectric) também quer mais 30 anos para atingir o limites de carbono propostos pela ONU. “Nós argumentamos que o foco em 2020 é errado para nós do setor elétrico”, diz John Scowcroft, da Eurelectric. “Nós temos que reduzir nossas emissões; é apenas uma questão de velocidade.”

Como então uma empresa –ou um setor inteiro– pode convencer uma delegação de governo a adotar sua posição? Não se trata de contribuições de campanha e visitas a gabinetes, como ocorre na esfera nacional. “É uma combinação de sentar com os representantes ou legisladores e organizar apresentações para grupos deles ou suas equipes”, explica David Hone, conselheiro climático para a Royal Dutch Shell, atualmente a maior companhia de petróleo de capital aberto do mundo. Mas a maioria dos resultados diretos vem do lobby na esfera nacional, ele disse. Por exemplo, o governo brasileiro não quer a aprovação da captura e armazenamento de carbono como sendo uma “compensação”, porque o país não está implantando a tecnologia. A Shell a deseja aprovada. “Então dedicamos um esforço para conversar com o governo brasileiro para entender suas preocupações e ver se há algum modo de contorná-las”, diz Hone.

Hone não faz lobby nas negociações internacionais sobre o clima, ele diz. Ele diz que dá ouvidos, tentando entender as preocupações dos representantes –neste caso os do Brasil. Então ele alerta os representantes da subsidiária brasileira da Shell, que podem usar a informação ao fazerem lobby junto ao governo nacional. “Falar com os representantes abre as portas para as pessoas da Shell Brasil, que então podem ir até lá e conversar.”

Apertos de mão e azia

Flannery, da ExxonMobil, diz que qualquer um que for às negociações internacionais na esperança de obter favores de uma delegação “vai apenas conseguir uma azia... Este não é um lugar para lobby. Todas as associações da indústria reconhecem que o fundamental é trabalhar em casa, junto aos seus governos, em suas capitais”. As negociações da ONU são apenas para estabelecer contatos. “Você estabelece contatos em todo o mundo, pessoas que você sabe que atenderão o telefone porque lhe respeitam. Para mim, é tremendamente valioso poder discutir.”

“O ótimo a respeito dessas reuniões de negociações é a presença de ministros e secretários de Estado que não têm nada a fazer”, acrescenta Scowcroft da Eurelectric. “Então eles ficam sentados nos cafés bares.” Scowcroft disse que certa vez levou seu chefe holandês a uma reunião. “Ele se encontrou com o ministro do Meio Ambiente holandês menos de cinco minutos após entrar e se registrar, e passou uma hora e meia com ele. Ele então saiu e disse: ‘Você acabou de justificar minha visita’.”

Campbell, da Câmara Internacional, disse que tentou convencer outros colegas a participarem das negociações, promovendo os retornos intangíveis do café bar. “A vantagem de estar presente nestes encontros –como passei anos tentando dizer aos meus colegas– é que você tem uma maior oportunidade de conversar com os representantes nesses encontros do que em casa”, ele diz. “Você tem o café bar; eles estão offline. Você pode estar hospedado no mesmo hotel que as pessoas.” Mas apesar de poder discutir negócios de passagem, Campbell tende a manter as coisas leves. “Você pode destruir facilmente a receptividade nestes processos se for muito incisivo”, ele explica. “Uma delegada sentou-se comigo no café da manhã. Nós não conversamos a respeito de trabalho, porque a última coisa que ela queria era conversar sobre trabalho durante o café da manhã com algum idiota da indústria.”

A recompensa para um acúmulo de conversas casuais vem na forma de mudanças sutis no texto do tratado e pedidos da delegação pela opinião da indústria, dizem veteranos do setor. Campbell descreve um recente pedido de um painel de especialistas da ONU para que a Câmara opinasse. “Logo, nós fomos de fato convidados para estar à mesa”, ele diz. Se esses resultados ocorrem por estar presente no local, Campbell não sabe dizer. Mas, ele nota, “o plano de ação de Bali (o plano de 2007 que estabeleceu o curso de ação para as negociações posteriores) menciona a participação do setor privado. Há alguns anos, os governos não declaravam que as empresas deveriam fazer parte da solução. Logo, este foi um grande avanço positivo.”

Anos de negociação culminaram na sessão final em Copenhague. Se um acordo será ratificado ainda não é certo. Mas mesmo se um acordo for assinado, ele provavelmente será vago e aberto a interpretação, dizem os especialistas, expondo o processo a mais influência das empresas afetadas pelo resultado. “Uma coisa que podemos dizer com certeza é que haverá mais dois anos de detalhes práticos para serem acertados”, observa Doug Russell, um ex-representante do Canadá que se tornou consultor privado. E esta será a próxima grande batalha, ele diz. “É quando o interesse real pesará. São nestes detalhes que as empresas se tornarão bastante ativas para assegurar que as regras serão redigidas de uma forma que favoreça o que desejam tentar fazer.”

Esta reportagem faz parte do Lobby Global sobre Mudança Climática, uma série do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, do Centro para Integridade Pública.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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