Artigo "Água para o desenvolvimento"
Água para o desenvolvimento
Lucien Muñoz
Jornal O Globo, 26/03/2013, Opinião, p. 17
Recentemente, a ONU divulgou que o mundo
atingiria, até 2015, o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM) de
reduzir pela metade a proporção de pessoas sem acesso à água potável. No
entanto, o planeta enfrenta enormes desequilíbrios entre regiões e
países no que diz respeito ao acesso à água de qualidade, e dificilmente
atingirá a meta global de saneamento. Quase 40 milhões de pessoas ainda
carecem de acesso à água de qualidade, e 120 milhões não têm
instalações sanitárias apropriadas, sendo a maior parte delas pobres de
zonas rurais em países menos desenvolvidos.
A dificuldade de acesso à água potável e a escassez
de recursos hídricos em muitas partes do mundo - no Brasil, a recente
seca do Nordeste foi a pior das últimas décadas - tendem a se agravar.
Com o crescimento previsto da população urbana, o aumento da demanda
mundial por alimentos, na ordem de 70% até 2050, e a expansão da
atividade industrial e da produção de energia, aliados à intensificação
das mudanças climáticas, será cada vez maior a pressão sobre as fontes
de água doce.
Diante desse cenário, o Ano Internacional de
Cooperação pela Água, coordenado pela UNESCO, chama a atenção para os
benefícios da cooperação no gerenciamento da água, um bem fundamental
que, se for bem utilizado e compartilhado, pode fomentar a confiança
entre diferentes grupos, comunidades, regiões e Estados, além de
promover a paz. Entretanto, se se tornar mais escasso ou concentrado nas
mãos de poucos, pode intensificar tensões e conflitos e, até, em
situações extremas, provocar guerras entre países.
A cooperação pela água é, portanto, essencial para a
segurança e a convivência pacífica mundial. A água não está confinada a
fronteiras nacionais. Existem, na atualidade, 148 países que
compartilham bacias hidrográficas transfronteiriças. O Brasil, país que
detém 12% da água doce corrente do planeta, tem no Aquífero Guarani um
bom exemplo de cooperação com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. Em
agosto de 2010, os presidentes dos quatro países assinaram um acordo de
cooperação para a ampliação do conhecimento sobre o aquífero e a
identificação de áreas críticas. Os países comprometeram-se a conservar e
proteger o aquífero para garantir o uso igualitário de seus recursos
hídricos.
Em um momento de crise global - de ordem econômica,
financeira, política e ambiental -, os governos e a sociedade devem
estar atentos ao papel central da cooperação pela água para o
desenvolvimento da economia e do bem-estar social das nações. Isso,
sobretudo, após o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento dos recursos hídricos (WWDR4) ter previsto, em 2012, a
intensificação das disparidades econômicas entre países e entre setores
econômicos ou regiões dentro dos países, por conta da demanda crescente
pelos recursos hídricos, tendo como principais vítimas as pessoas mais
pobres. O relatório mostra ainda a necessidade de se realizar uma ação
concertada, por meio de uma abordagem coletiva dos setores que fazem uso
intensivo da água, para garantir que os benefícios sejam distribuídos
equitativamente. Lucien Muñoz é economista e representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil.
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